19 de abril de 2024 - 20:15

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Hospital das Forças Armadas cortou leitos de UTI e ainda não liberou vagas ociosas para civis

O HFA (Hospital das Forças Armadas) cortou 20 leitos de UTI previstos num contrato emergencial na pandemia e deixou de abrir outras 25 vagas de terapia intensiva, uma possibilidade prevista no mesmo contrato. É o que aponta um relatório técnico do TCU (Tribunal de Contas da União) sobre a reserva de vagas em leitos de UTI e enfermaria feita pelos hospitais militares.

A exemplo de unidades de Exército, Aeronáutica e Marinha, o HFA está fechado para civis. A rede pública de saúde em Brasília, onde fica o HFA, tem 450 leitos de UTI disponíveis para pacientes com Covid-19. A taxa de ocupação nesta sexta-feira (9) é de 97,84%, segundo o governo do DF. Estão na fila de espera por um leito 333 pacientes.

As vagas a mais no HFA, caso tivessem sido efetivadas, “poderiam representar um acréscimo não desprezível à rede local”, conforme o relatório do TCU.

Dados obtidos pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação mostram que o HFA ofertou 30 leitos de UTI entre março e novembro de 2020. De dezembro a fevereiro de 2021, foram 20 leitos. Em março, as vagas para pacientes com Covid-19 chegaram a 40.

As mesmas informações obtidas pela Lei de Acesso mostram que em novembro, quando foram suprimidos os 20 leitos previstos em contrato, o HFA atendeu 3.012 pacientes com Covid-19. O número só foi inferior, naquele ano, aos atendimentos feitos em junho (4.028), agosto (3.927) e dezembro (3.838). Em março deste ano, foram 4.432 pacientes atendidos.

O TCU determinou que os hospitais militares divulguem suas taxas de ocupação, o que permitiu saber pela primeira vez os índices de ocupação nessas unidades.

No HFA, 3 dos 40 leitos de UTI estão disponíveis, segundo os dados mais recentes divulgados no site do hospital. Dos 68 leitos de enfermaria, 24 estão vazios.

Em ação protocolada na Justiça Federal na terça-feira (6), a DPU (Defensoria Pública da União) pediu a participação do HFA e de mais duas unidades militares – Hospital da Força Aérea em Brasília e Hospital Naval da Marinha – no sistema do SUS, com oferta de leitos de enfermaria e UTI a civis na pandemia, se houver disponibilidade.

O TCU já havia constatado que esses hospitais não faziam parte do plano de mobilização de leitos do governo do DF. As vagas ficam bloqueadas à espera de militares da reserva e da ativa e de seus dependentes.

No caso do HFA, o tribunal identificou a existência de um contrato emergencial assinado em maio de 2020 para a oferta de até 50 leitos de UTI até novembro daquele ano. Uma empresa foi contratada e paga com recursos públicos destravados ao Ministério da Defesa por meio de uma medida provisória (MP) assinada pelo presidente Jair Bolsonaro para ações contra a pandemia.

A origem dos recursos está registrada no Portal da Transparência, alimentado pelo governo federal. Segundo os dados disponíveis, a empresa Domed Produtos e Serviços de Saúde foi contratada, por meio de processo licitatório, para gerenciamento técnico, fornecimento de mão de obra, insumos e manutenção necessários ao funcionamento de até 50 leitos de UTI no HFA.

O valor inicial do contrato foi de R$ 24,9 milhões. Um aditivo foi assinado em novembro para prorrogar a vigência do contrato até o próximo mês de maio. O aditivo, porém, suprimiu os serviços de operacionalização de 20 leitos, “perfazendo o quantitativo atual de 30 leitos”.

Diante do agravamento da pandemia e da constante lotação dos leitos de UTI, o HFA se viu obrigado a dispensar licitação, neste mês, para contratar serviços necessários ao funcionamento de até 30 leitos de terapia intensiva.

No HFA, além de militares e dependentes, são atendidos servidores civis do Ministério da Defesa. O hospital também atende Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão e ministros de Estado.

“Considerar-se-ia razoável que o Ministério da Saúde, diante da possibilidade de assinatura de convênio, disponibilizasse recursos para ampliar a quantidade de leitos clínicos e de UTIs das unidades militares de saúde, a exemplo do HFA, que poderia, por meio de aditivo a contrato já vigente, disponibilizar 45 vagas adicionais de UTI na capital federal, financiado com recursos do Ministério da Saúde”, afirmam os auditores no relatório do TCU.

“Em que pese ser possível a existência de uma margem de erro decorrente da existência de outros leitos no mencionado hospital, cujos equipamentos estão sujeitos a falhas e indisponibilidades, é evidente que se há contrato celebrado e vigente tratando de 30 leitos de UTI, não há incerteza a respeito da existência dessas vagas”, dizem os mesmos auditores.

A Folha questionou o Ministério da Defesa e o HFA sobre os apontamentos do TCU, em e-mail enviado às assessorias de imprensa às 11h58 de quinta (8). Não houve resposta até a publicação da reportagem.

Reportagem publicada pelo jornal na terça (6) revelou que leitos de unidades militares de saúde estão ociosos, principalmente enfermarias, conforme planilhas divulgadas por Exército, Marinha e Aeronáutica em cumprimento a determinação do TCU. Há unidades com ociosidade de até 85%. UTIs estão lotadas em sua grande maioria, mas há algumas vagas, conforme as planilhas.

Após a publicação, o Ministério da Defesa divulgou uma nota em que diz que a reportagem contém “manipulações, incorreções, omissões e inverdades”. Segundo a pasta, a grande maioria dos hospitais militares tem quase todos os leitos de UTI ocupados na pandemia.

“O sistema de saúde das Forças Armadas possui caraterísticas específicas para atender militares que estão na linha de frente, atuando em todo o território nacional, nos inúmeros apoios diuturnos, como transporte de material, insumos e, agora, na vacinação dos brasileiros”, disse.

A mesma nota afirma: “Na realidade, muitos hospitais militares têm frequentemente removido pacientes para outras regiões para evitar o colapso. Assim como os hospitais civis, a situação varia de acordo com cada região. Os números são críticos e evoluem diariamente.”

O ministério afirmou que os hospitais militares não fazem parte do SUS e que atendem 1,8 milhão de usuários (militares da ativa, inativos, dependentes e pensionistas), em sua maioria idosos, “que contribuem de forma compulsória todos os meses para os fundos de saúde das Forças Armadas”.

“Reiteramos que as Forças Armadas atuam na atual pandemia com extrema dedicação, no limite de suas capacidades, sempre com total transparência e prontidão, preservando e salvando vidas”, finaliza a nota do Ministério da Defesa.

Uma segunda reportagem mostrou que o ministro do TCU Jorge Oliveira atuou para barrar uma proposta que destinaria a civis com Covid-19 pelo menos 50% dos leitos ociosos em hospitais militares. A proposta foi feita pelo ministro Vital do Rêgo, em um voto em separado analisado em plenário no último dia 24.

Oliveira foi indicado ao TCU por Bolsonaro, de quem foi auxiliar direto dentro do Palácio do Planalto. O ministro enxergou “comprometimento da segurança militar” caso a ideia fosse levada adiante. O plenário aprovou apenas a abertura dos dados pelas Forças Armadas, com indicativo de disponibilidade ou não de leitos para civis.

Apesar da contribuição própria por parte dos militares, a rede de saúde nas Forças contou com pelo menos R$ 2 bilhões do Orçamento da União em 2020, segundo o TCU, que apura supostas irregularidades na reserva de leitos a militares.

 

 

 

 

Diário do Ribeira / Gazeta SP

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